
Aqui, ali, acolá, pelas calçadas do bairro, ainda ouço a repercussão da reunião que coroou o lançamento do meu livro “Ser Sustentável” (veja no post anterior). Foi bom porque uniu as pessoas, me dizem, em torno de um tema que a todos afeta. Cada dia mais e mais se preocupam com as mudanças climáticas e se informam sobre suas causas e consequências.
Prova disso é o monitoramento de dados nas redes feito pela empresa Quaest, de inteligência de dados, tendo como mote a Lei Geral de Licenciamento Ambiental que foi sancionada no dia 8 de agosto com 63 vetos do presidente Lula. Minha amiga e jornalista Lucila Soares, que esteve na reunião do meu livro, mandou-me a dica, comemorando a repercussão: “As pessoas estão mais atentas ao tema”, disse-me.
Foram 84 mil pessoas que, segundo os dados levantados pela Quaest, fizeram menção ao tema nas redes no período em que o PL da Devastação, como é conhecido (e eu aprovo) esteve em tramitação entre o Senado e a Câmara dos Deputados. À medida que o debate ganhava as redes, o engajamento ia avançando. O alcance médio diário foi de 58 milhões de pessoas.
As redes sociais são boas para juntar esses movimentos, agregar opiniões. Só não são boas para o contato que se quer e se precisa na hora de efetivar ações. De qualquer maneira… sim, há um número maior de interessados. Eu comemoro também.
Mas é claro que nem todas as opiniões apuradas pela equipe de pesquisadores eram críticas ao projeto de lei que, resumindo, entrega a chave do galinheiro para as raposas. É o que poderá acontecer caso avance o que querem os que protegem o PL: favorecer apenas o desenvolvimento. Os que o defendem – na marca de 12% – acham que o PL destrava a burocracia, um jeito meio hipócrita de dizer que elimina as “travas” que protegem o meio ambiente. Ora, já não aprendemos bastante com a quantidade de mortes por eventos extremos causados pelas mudanças do clima?
Temo que me tomem por decrescimentista. Nada disso. Apoio muito tudo o que já fizemos e que colaborou para o desenvolvimento humano. Para ficar apenas nas necessidades, é só pensar, por exemplo, no tanto que se morria de febres e infecções antes do antibiótico. Ou em como se consegue, hoje, armazenar produtos que nos alimentam. O problema é que perdemos a mão, sobretudo quando entramos na seara das comodidades.
Vou deixar que fale por mim um de muitos autores cujas teorias eu prezo. Trata-se de E.F. Schumacher, pensador e economista britânico que escreveu “O negócio é ser pequeno” – aqui editado pela Zahar, – livro que mexeu com as convicções nos anos 1970 e que traz no subtítulo o famoso dedo na ferida: “Um estudo de Economia que leva em conta as pessoas”. Infelizmente, o professor Schumacher faleceu de ataque cardíaco em 1977, aos 66 anos, e por isso não deu continuidade aos seus estudos. Mas, globalmente, o pensamento dele foi expandido e se proliferou.
Basicamente, Schumacher chama atenção, em 1972 – ano de publicação de seu livro – para um fato ainda muito pouco consciente à época: não resolvemos o problema de produção, mas ampliamos o impacto ao capital natural, que erroneamente tratamos como se fosse rendimento. Escreve ele:
“Cumpre-nos entender perfeitamente o problema e começar a ver a possibilidade de criar um novo estilo de vida, dotado de novos métodos de produção e novos padrões de consumo; um estilo de vida planejado para ser permanente. Um homem de negócios não consideraria que uma firma resolveu seus problemas de produção e se tornou viável se a visse rapidamente consumindo seu capital.”
Mas não ficou só na teoria. Na prática, Schumacher dá três soluções: na agricultura, incrementar a fertilidade do solo; na indústria, investir em tecnologia em pequena escala, baseada no que chamou de “fisionomia humana para que as pessoas tenham prazer no trabalho que realizam em vez de trabalharem exclusivamente pelo salário”. Por último, Schumacher sugere implementar parcerias, também na indústria, entre administração e empregados, em alguma forma de propriedade comunal.
O livro de Schumacher é de uma beleza e sensibilidade abissais. Ao lê-lo, fica-se com aquela estranha sensação de que perdemos muito ao qualificar como platitudes mensagens tão sérias.
É mais ou menos o que pensei hoje, quando acabei de ler a quinta carta do presidente da COP30, André Corrêa do Lago. De forma legítima, meus parceiros de profissão estão buscando denúncias, apontando falhas, prevendo a continuidade de uma retórica inútil ao fim da Conferência das Partes sobre o Clima que vai acontecer, pela primeira vez, no Brasil. Eu, porém, embora de acordo com todas as questões, prefiro acompanhar com lupa as cartas do presidente. Textos que muitos podem ter como banais, contemplativos, mas que trazem mensagens que seria muito bom atentarmos.
Corrêa do Lago dialoga bastante com os pensamentos de Schumacher. Mas também encosta nas teorias de Donna Haraway, Kohei Saito, Anna Tsing, para citar apenas alguns dos autores da atualidade que prescrevem uma revisão de modelo para garantirmos o mínimo de dignidade à vida, com foco, sobretudo, naqueles que estão no pé da pirâmide social.
Diz Corrêa do Lago:
“Esta é uma carta para as pessoas – para experiências vividas, agência e liderança das pessoas na linha de frente da mudança do clima, especialmente aquelas em situações de vulnerabilidade. Não são vítimas passivas da mudança do clima, mas líderes vivos do cuidado, da resiliência e da regeneração. Seu papel de guardiãs da terra, da cultura, do conhecimento e da solidariedade não é um legado do passado, mas um exemplo de formas de relação mais harmônicas com a Natureza como modelo para um futuro comum.”
Com legitimidade, os indígenas tomaram para si a mensagem, já que são os guardiães das florestas. E, para romper de vez com o tecnicismo, que afasta mesmo, até com expressões, cálculos e metas, a adesão popular contra os flagelos provocados pelas mudanças do clima, Corrêa do Lago se apressa em digitar palavras humanas em sua missiva:
“Por tempo demais a ação climática foi enquadrada como uma questão tecnológica, de métricas e cronogramas. Mas, em sua essência, é uma história sobre quem somos, o que lembramos, como cuidamos e o que queremos preservar e criar. Precisamos resgatar a ação climática como um ato humano, como um ato de profunda responsabilidade, reciprocidade e solidariedade”.
E assim termino. Não há o que fazer para trazer ao diálogo aqueles que pensam que estou descrevendo platitudes. Mas, cá no íntimo, penso que mensagens assim podem contribuir para aumentar o tal engajamento nas redes, descoberta dos pesquisadores da Quaest.