Um exército para salvar as árvores urbanas

No meio da manhã chuvosa de domingo,  o barulho da motosserra aqui na vizinhança arranhou meus ouvidos. Pus minha indignação nas teclas do computador e a lancei nas minhas redes.

Como ousam, ainda a essa altura, retirar árvores urbanas? Que elas adoecem, envelhecem e morrem, todos sabemos. Mas a humanidade precisa das árvores, não só para sequestrar o carbono que continuamos emitindo como se não houvesse amanhã, como para amenizar um pouco o calorão. É direito de todos nós, portanto, saber os motivos que levam pessoas a retirá-las.

Árvores urbanas. Foto tirada por mim, andando por aí

Não tardou para que uma vizinha me alertasse, também pela rede:

“A motosserra está tirando os galhos de uma árvore que caiu ali na esquina e causou um grande estrago, derrubando dois postes”.

Sim, a árvore caiu, doente que estava. Era imensa, bem alta. Não aguentou a chuvarada e o vento da primavera.

Mas nem de longe a minha indginação se arrefeceu. Pelo contrário.

Alguns meses atrás, em conversa com o Sr. Luiz, porteiro há anos no prédio em frente à árvore que caiu, comentei sobre ela, que havia chamado a minha atenção. Ela chamava a atenção por estar sem folhas. Cheguei a pensar que, realmente, ela não resistiria muito tempo em pé. Na ocasião, Sr. Luiz comentou comigo:

“Vai cair, todo mundo está avisando. Só quem não vê é a Comlurb. Se fosse no tempo da Fundação Parques e Jardins, eles já teriam solucionado”, disse-me ele.

Eu tentei relativizar, em favor da árvore:

 ‘O que eu queria mesmo é que um técnico viesse vê-la. Não sei se devemos condená-la assim”.

Pois na primavera, pouco depois dessa conversa, a árvore reviveu! Encheu-se de folhas, de onde brotaram umas flores lindas, de cor roxa. Sem saber que aquele seria o último suspiro da árvore, comemorei. E, é claro, não deixei de comentar com o Sr. Luiz.

“Viu? Quem diria, heim? Está ela aí, olha só: linda e florida”.

Sr. Luiz não se fez de rogado. Com um muxoxo, comentou:

“É, pode ser… Mas ainda acho que ela vai dar problema”.

Ontem, quando vi que tinha sido aquela mesma árvore que havia caído, além de comemorar o fato de não ter machucado ninguém, confesso que fiquei um tempo grande a olhar suas raízes. Não conseguia entender. Os técnicos disseram que ela estava cheia de cupim. Que lástima. Ainda não encontrei Sr. Luiz, mas tenho certeza de que ele, com razão, vai se vangloriar de sua sabedoria.

Quanto a mim, continuo indignada. É só conversar no entorno para que os vizinhos – e em todos os bairros – apontem uma, duas, três árvores que estão “a ponto de cair”. E por que nada é feito? Outras árvores vão precisar cair? E se, um dia, acertar alguém? Vamos ter que engrossar o coro dos que acreditam que “é melhor ladrilhar?”. Não, eu me recuso.

Do alto da minha nenhuma experiência administrativa, julgo-me, porém, como cidadã, capaz de dar sugestões. Aí vai. Que a prefeitura crie um exército formado por pessoas capacitadas para inspecionar todas as árvores urbanas. Algumas podem precisar apenas de remédios, podas, para que continuem mais um tempo oferecendo sombra e frescor aos moradores. Outras, como a que caiu, talvez precisem mesmo ser retiradas para não provocarem danos maiores (os vizinhos ficaram sem internet um longo período por causa dos fios que se romperam com a queda).

Vou abusar e estender minha sugestão. Que se recrute, para este exército, pessoas em situação de rua que estejam dispostas a trabalhar. E jovens que se interessem pelo tema. Receberão capacitação, salário, crachá, uniforme. E serão sempre muito bem vindos em todos os logradouros.

Que a morte daquela linda árvore, que deu seu último suspiro de maneira tão sensível, oferecendo flores a todos nós, não seja em vão. Quem sabe se, medicada, ela poderia ficar livre dos cupins e viver por mais alguns anos?

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About ameliagonzalez848

Produtora de conteúdo. Jornalista especializada em sustentabilidade. Ajudou a criar e editou durante nove anos o caderno Razão Social, suplemento do jornal O Globo, sobre sustentabilidade, que foi extinto em julho de 2012. Assinou a coluna Razão Social do caderno Amanhá, de O Globo. Autora do livro `Porque sim`, sobre casos de sucesso da ONG Junior Achievement. Ganhou o premio Orilaxé, da ONG Afro Reggae. Esteve entre as finalistas como blogueira de sustentabilidade no premio Greenbest com o blog Razão Social, que foi parte do site do jornal O Globo de 2007 a 2012. Foi colunista do site G1 de 2013 a 2020, assinando o blog Nova Ética Social. Estuda os filósofos da diferença, como Fredrick Nietzsche, Gilles Deleuze, Spinoza, Henri Bergson em grupos de estudo no Instituto Anthropos de Psicomotricidade. Crê na multiplicidade, na imanência, na potência do corpo humano e busca, sempre, a saúde. Tem um filho, um cachorro.
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