Conheço o pequeno Cícero desde que ele ocupava um lugar tranquilo e seguro, na barriga da mãe, há cerca de 1 ano e meio. O casal tem também a Zabé, uma linda vira-latas. Como somos todos cachorreiros, portanto, passamos a nos cumprimentar. Acenos tímidos, saudações quase murmuradas, mas sempre algum contato.
Até que um dia o casal passou a caminhar com Zabé e um sling amarrado ao corpo, ora dele, ora dela. Lá dentro estava o feliz filhote, que eu ainda não sabia o nome. Digo que ele é feliz porque os considero pessoas tranquilas. Não os conheço em profundidade, não compartilho de suas vidas, mas me parece que sonhamos sonhos bem parecidos para o futuro daquele pequeno.
Pois Cícero, hoje em dia, já é uma criaturinha que anda por aí cambaleante feito um patinho, a apontar tudo e todos. Zabé e Beto foram o elo de ligação entre nós. E ele aprendeu a falar nossos nomes. Coisa mais linda e emocionante.
Na manhã de hoje, um domingo de sol frio e ventinho gelado, saí bem cedo a caminhar com Beto. Gosto quando a rua está vazia e adoro esse tempo. Vira uma esquina, vira outra, até que nos vimos. E Cícero, em seu carrinho empurrado pelo pai, apontou o dedinho, revirou a cabeça, chamando meu nome e de Beto. Atravessei, é claro, convocada por aquela delícia, e nos aproximamos.
Ofereci-lhe a guia de Beto e ele topou, na hora, ser o condutor. Caminhamos assim, um pé depois do outro pé, sem pressa nenhuma.
Até que Beto e Cícero estancaram. Nenhuma palavra ou latido, simplesmente ficaram parados, cada um olhando para um lado, acompanhando algo, um movimento, que só alguns instantes depois eu percebi: foi uma lufada de vento.
Paramos também, os adultos, e conseguimos respeitar aquele momento. O vento, o menino e o cachorro. Simplesmente contemplamos, por um tempo que não sei precisar porque, ali, era a última coisa que me importava.
O passeio acabou, Cícero foi para a padaria com os pais e eu segui para casa. Corri à estante. Queria preencher o momento com pensamentos nutritivos. ‘Sociedade do cansaço”, do coreano Byung-Chul Han (2015) foi o ideal. Excesso de positividade, de produção, empreendedorismo, dispõe nossa sociedade atual, que não é mais a sociedade do controle, cunhada assim por Foucault, mas a sociedade do desempenho.
Excesso também de informações, impulsos. E falta de tempo para a contemplação.
“Habituar o olho ao descanso, à paciência, ao deixar-aproximar-de-si”, segundo Nietzsche. Capacitar o olho a uma atenção profunda e contemplativa, a um olhar demorado e lento.
Tudo o que não conseguimos mais fazer nessa sociedade do cansaço.
“O cansaço dá o compasso ao indivíduo disperso”, escreve o coreano. E como é bom poder sentir a leveza de Cícero, Beto, e o vento a nos lembrar que a vida é muito valiosa e tem muito a nos oferecer. É só respeitar.
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Um artigo publicado na primeira página do vetusto The New York Times deste sábado (27) chamou minha atenção por causa do título: “Um adulto na sala sobre o clima”. Escrito por Li Shuo, diretor do Instituto de Políticas da Sociedade Asiática no setor de Mudanças Climáticas, o texto convence porque só traz fatos reais.
Shuo começa contando a visita que o então presidente Barack Obama fez à China, em 2017, para tentar pressionar o gigante asiático a acelerar seu processo de reduzir as emissões de gases de efeito estufa. No mesmo ano, assumiu a presidência Donald Trump que, como se sabe, é um negacionista do clima e minimiza constantemente todas as ações em prol da redução das emissões.
“A questão era que, ao contrário do Ocidente, onde os ciclos eleitorais restringiram ações climáticas consistentes, a China joga um jogo longo — planejando décadas para o futuro. E não gosta de fazer promessas que não pode cumprir”, escreve o especialista.
Acabamos de assistir, estarrecidos, ao discurso de mr. Trump nas Nações Unidas, no qual ele repetiu a bateria de declarações desacreditando a Ciência, o IPCC, o Acordo de Paris, e mandando um recado direto aos seus seguidores: “Cavem, cavem, cavem”.
A China, por sua vez, mostrou ao mundo que planeja reduzir as emissões de gases de efeito estufa de 7 a 10% até 2035. Os analistas acharam uma meta pífia. Shuo concorda:
“A China é o maior poluidor do mundo e, sozinha, queima mais da metade do carvão do mundo, o combustível fóssil mais poluente. De acordo com a pesquisa da minha organização, a China precisaria reduzir suas emissões em pelo menos 30% em relação aos níveis máximos até 2035 para se alinhar à meta do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global médio a 1,5 grau Celsius acima dos níveis pré-industriais. O novo compromisso de Pequim claramente erra esse alvo”.
No entanto, diz ainda Li Shuo, a China se tornou uma superpotência mundial em tecnologia limpa. Seu domínio nas indústrias de energia solar, baterias e veículos elétricos deve permitir deve permitir que ela avance mais rapidamente. Diferentemente do Ocidente, onde as metas climáticas são mais ambiciosas, mas frequentemente vulneráveis a ciclos políticos, a China alinhou sua descarbonização com sua estratégia de crescimento econômico.
“Na prática, isso significa construir uma infraestrutura sistematicamente, cadeias de suprimentos sofisticadas e um mercado interno previsível para energia limpa”.
Ou seja: é preciso ter políticas que não sejam vulneráveis a crenças de tal ou qual político. Políticas de estado, não de governo. Globalmente a decisão foi tomada em 2015, quando os países assinaram um tratado internacional, o Acordo de Paris, para limitar o aquecimento a 1.5 grau e fortalecer a capacidade de os países lidarem com os impactos das alterações climáticas.
Para levar a sério, é preciso mesmo ter um adulto na sala.