Papa Francisco e sua corajosa Encíclica ‘Laudato Si´’

Fui criada em uma família eclética. Mãe mineira católica (às vezes fervorosa, às vezes não) e pai paraguaio ateu e anarquista. Passada a primeira infância, tombei para o lado do pai. E assim sigo a vida. Respeito a fé, tenho alguma cisma com religiões que tiram a potência do humano, mas nunca discuto as preferências. Cada um sabe de si.

Papa Francisco abençoa lideranças indígenas da Amazônia. Foto Mídia Vaticano publicada no site #Colabora

Mas aqui na estante, em lugar nobre, tem um exemplar impresso da “Carta Encíclica ‘Laudato Si´ – Sobre o cuidado da casa comum”, adquirido por mim em 2015. Foi neste ano que o católico argentino Jorge Mario Bergoglio, que se tornara Papa Francisco em 2013, arrebatou-me com seus pensamentos e ideias. Não cheguei a me tornar religiosa, mas passei a respeitar muito o Chefe de Estado do Vaticano.

 “Laudato Si´” é um texto corajoso, abrangente, diverso, que foca em assuntos atuais, meu objeto de estudo desde o início do século. A economia real, a proteção ambiental versus o desenvolvimento, a biodiversidade, a  injustiça climática e tantos outros destaques que, num amarrado efêmero chamamos de desenvolvimento sustentável, estão ali muito bem contextualizados.

Na época de divulgação da Encíclica eu tinha uma coluna no Portal G1, e escrevi um texto pormenorizando a substancial ajuda que o tema tinha acabado de ganhar.

São 246 aforismos, e vou destacar aqui o meu  trecho favorito:

Habitualmente, a bolha financeira é também uma bolha produtiva. Em suma, o que não se enfrenta com energia é o problema da economia real, aquela que torna possível, por exemplo, que se diversifique e melhore a produção, que as empresas funcionem adequadamente, que as pequenas e médias empresas se desenvolvam e criem postos de trabalho”.

E aqui, a cereja do bolo, a resposta para o eterno, e talvez falso problema da nossa atualidade, que o escritor japonês marxista Kohei Saito prefere  chamar de “capitaloceno”.

Quando se colocam estas questões, alguns reagem acusando os outros de pretender parar, irracionalmente, o progresso e o desenvolvimento humano. Mas temos de nos convencer que, reduzir em determinado ritmo de produção e consumo, pode dar lugar à outra modalidade de progresso e desenvolvimento. Os esforços para um uso sustentável dos recursos naturais não são gasto inútil, mas um investimento que poderá proporcionar outros benefícios econômicos a médio prazo. Se não te3mos vista curta, podemos descobrir que pode ser muito rentável a diversificação de uma produção mais inovadora e com menor impacto ambiental. Trata-se de abrir caminho e oportunidades diferentes, que não implicam frenar a criatividade humana nem o seu sonho de progresso, mas orientar esta energia por novos canais.”

Papa Francisco não se limitou a lançar a Encíclica.  O Sumo Pontífice estava empenhadíssimo em organizar uma conferência, na cidade italiana de Assis, que se chamaria “Economia de Francisco” e reuniria jovens do mundo todo para debater sobre o desenvolvimento que se quer. Durante a etapa de organização, o Vaticano lançou o documentário “A carta”, produzido pela equipe Off the Fence – a mesma do filme “Professor Polvo”,  em outubro de 2022, com parte do conteúdo da Encíclica, mas com foco nas vítimas das mudanças do clima.

Para os católicos este período, entre a morte de um papa e a escolha de outro é conhecido como sede vacante. Sete cardeais brasileiros com menos de 80 anos estão aptos a votar no Conclave, segundo lista oficial divulgada pelo Vaticano. E entre os 14 que estão na lista de onde pode sair o próximo papa, há um, em especial, o cardeal francês Jean-Marc Aveline – França, citado por alguns especialistas como o favorito de Francisco. Pela sua linha humanitária, de ampla visão, dedicado às questões dos imigrantes  e ao diálogo inter-religioso, ele seria o preferido pelo lado mais progressista da Igreja Católica.

Pode ser. Fica a torcida para que o próximo Chefe do Estado de Vaticano tenha uma visão tão ampla quanto a do Papa que se foi. Francisco deixará uma lacuna.

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About ameliagonzalez848

Produtora de conteúdo. Jornalista especializada em sustentabilidade. Ajudou a criar e editou durante nove anos o caderno Razão Social, suplemento do jornal O Globo, sobre sustentabilidade, que foi extinto em julho de 2012. Assinou a coluna Razão Social do caderno Amanhá, de O Globo. Autora do livro `Porque sim`, sobre casos de sucesso da ONG Junior Achievement. Ganhou o premio Orilaxé, da ONG Afro Reggae. Esteve entre as finalistas como blogueira de sustentabilidade no premio Greenbest com o blog Razão Social, que foi parte do site do jornal O Globo de 2007 a 2012. Foi colunista do site G1 de 2013 a 2020, assinando o blog Nova Ética Social. Estuda os filósofos da diferença, como Fredrick Nietzsche, Gilles Deleuze, Spinoza, Henri Bergson em grupos de estudo no Instituto Anthropos de Psicomotricidade. Crê na multiplicidade, na imanência, na potência do corpo humano e busca, sempre, a saúde. Tem um filho, um cachorro.
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