Não será por falta de reuniões, encontros e conferências globais que as próximas gerações vão poder nos culpar quando os efeitos das mudanças climáticas tornarem insuportável a existência de seres humanos no planeta. Já não dá para falar o mesmo sobre resultados de tais encontros. Os acordos, quando são conseguidos, nem sempre são levados a sério. Nesse ponto, vamos ficar devendo.
Assim que acbou a COP29, em Baku, capital do Azerbaijão, numa sessão nostálgica na madrugada de sábado(22) para domingo(23), jornalistas e negociadores só tiveram tempo de botar roupas de frio nas malas rumo a Busan, cidade portuária na Coreia do Sul (antes do estado de sítio). De 29 de novembro até esse domingo (1), lá aconteceu a quinta sessão do Comitê Intergovernamental de Negociação (INC na sigla em inglês) com o objetivo principal de traçar um acordo vinculante sobre a produção e o consumo de plásticos no mundo. A reunião, também com o selo da ONU, via Programa das Nações Unidas sobre Meio Ambiente (Pnuma) passou a se chamar INC5.
Se você, caro leitor, está se perguntando sobre a real importância de tal reunião, é bom saber alguns detalhes. Há estudos que mostram que os microplásticos podem fazer muito mal à saúde humana e ao meio ambiente. Em 2021, um relatório do Pnuma, alertou para o fato de que os produtos químicos nos microplásticos “estão associados a sérios impactos na saúde, especialmente nas mulheres”. Eles podem incluir alterações na genética humana, desenvolvimento cerebral e taxas de respiração, entre outros problemas de saúde.
Na Revista ScienceDirect, um artigo publicado em novembro desse ano mostrou que “partículas micro-nanoplásticas (MNPs) são um contaminante ambiental onipresente”. Além disso, especialistas apontam para os riscos associados ao desenvolvimento de câncer, doenças cardíacas e demência, bem como problemas de fertilidade.
E, sim, os microplásticos estão onipresentes.
Uma reportagem publicada pelo jornal “The Guardian” no mês passado mostra que a Indonésia vende 5,5 milhões de sachês só de detergentes por dia; em Gana e no Quênia, o problema maior vem das roupas que são descartadas, sobretudo por países europeus. União Europeia. São de fibra sintética, ou seja, resíduos. Segundo a organização Changing Markets Foundation, a Shein é uma das marcas encontradas em imensas montanhas de roupa encontradas em aterros sanitários dos dois países.
No Caribe, o problema vem das garrafas PET. Estima-se que dois mil itens plásticos sejam jogados no lixo a cada quilômetro. Segundo a International Union for Conservancy of Nature, o Banco Mundial estima que as costas do Caribe estejam contaminadas com uma média de 2.014 objetos por quilômetro, um quinto dos quais são garrafas plásticas.
Já no Reino Unido, ainda segundo a reportagem do “The Guardian”, são descartados 11 bilhões de lenços umedecidos por ano. Eles entopem canos, poluem as praias, e espalham os terríveis microplásticos.
Com tudo isso, esperava-se um pouco mais dos participantes da reunião em Busan. Foi divulgado um rascunho de texto, com 23 páginas, 31 artigos e algumas descrições mais do que minuciosas os microplásticos.
O capítulo dois do texto explica o que são microplásticos: partículas de plástico que têm menos de cinco milímetros de diâmetro; qualquer fragmento, partícula ou fibra sólida de plástico insolúvel em água com um diâmetro entre [1 micrômetro e 500 micrômetros], que foi formado como resultado da fragmentação de resíduos de produtos plásticos que já entraram no ambiente; pequenas partículas ou fragmentos ou pedaços de plástico com menos de [5 milímetros] de diâmetro, facilmente liberados no ambiente.
O que assusta mais é o tamanho (micro) do inimigo. Recentemente, numa entrevista que fiz com o belga Gunther Pauli, criador do conceito Economia Azul, ele disse:
“O drama dos microplásticos deve ser considerado um dos grandes desastres de todos os tempos, talvez mesmo pior do que as mudanças climáticas. Infelizmente essa poluição, tão pequena, entra nas células e muda completamente a vida como a conhecemos. É com isso que mais me preocupo.”
Mas não vai ser dessa vez que o mundo conseguirá conter o problema. Até porque, para isso, é preciso mexer em duas pontas da cadeia: a produção e o consumo. O presidente do INC5, Luis Vayas Valdivieso, disse que houve progresso na reunião, mas que “também devemos reconhecer que algumas questões críticas ainda nos impedem de chegar a um acordo abrangente”.
Na verdade, o que houve na reunião foi um forte bloqueio a qualquer tipo de acordo por países que produzem petróleo. Mas, segundo Valdivieso informou ao “The Guardian”, “Há um acordo geral para retomar a sessão atual em uma data posterior para concluir nossas negociações.”
E assim vamos postergando ações que poderiam adiar o nosso desconforto ambiental.