‘Se vocês não sabem como consertar, por favor não continuem danificando tudo’. Frase dita por Severn Suzuki aos 12 anos na Rio-92 ecoa hoje, primeiro dia da 29ª Conferência do Clima

Por um lado, a média de expectativa de vida dos humanos aumentou. Mesmo nos países pobres, onde há uma grande diferença (para menos), as pessoas estão vivendo mais do que há mil anos. E melhor, sob certos aspectos, já que em grande parte do planeta há menos chance de doenças se espalharem.

As mudanças climáticas, porém, estão atrasando o relógio da melhoria de qualidade de vida em muitos lugares. Nas regiões afetadas pelos impactos – seca, tempestades e poluição – se há mais expectativa de vida, a constatação é de que está cada vez mais difícil viver.

Hoje é o primeiro dia da 29ª Conferência do Clima convocada pelas Nações Unidas (COP-29), que acontecerá em Baku, capital do Azerbaijão. Esperam-se discursos acalorados sobre a necessidade de fazer ao menos uma transição para o fim do uso dos combustíveis fósseis. Mas uma reportagem provocativa na revista do  “The New York Times” chama atenção sobre o sentido de urgência desse clamor. Ainda há tempo? Ou é preciso parar com os discursos e partir para a ações de salvamento dessas pessoas?

Repórteres fotográficos visitaram algumas partes do mundo que são cada vez mais afetadas pelos desastres climáticos, perguntando sobre a maneira como vivem e o que mais temem. O foco: jovens até 16 anos. O jornalista e escritor David Wallace-Wells amarrou o texto e concluiu: “No mundo dos ricos, os jovens que se manifestam com preocupação frente às mudanças climáticas, muitas vezes são menosprezados por sua ingenuidade… para os jovens que estão distante do poder real, a clareza moral não é um privilégio. Fatalidade sim.”

Entre os depoimentos mais emocionantes da reportagem, destaco o de Ayesha Ali, jovem de 16 anos que mora em Bangladesh:

“A poluição do ar e o calor me deixam com dor de cabeça a maior parte do tempo”, disse ela.

Ali tem orgulho de seus cabelos compridos, mas por conta do excesso de fuligem eles caem muito, em tufos, como se estivesse em tratamento quimioterápico. Seus estudos ficam prejudicados quando as tempestades – cada vez mais frequentes – inundam o lugar onde vive, impedindo-a de sair de casa. Ali mora em Daca, a capital do país.

Em 2050, quando 13 milhões de pessoas serão obrigadas a fazer migração interna em Bangladesh por causa dos efeitos causados pelas mudanças climáticas, Ali terá 42 anos. Se conseguir viver tanto tempo.

O excesso de calor também enerva e incapacita o jovem grego Athanasios Kosteas, de 16 anos, que ajuda o pai no restaurante da família em Kalamata, no sul da Grécia.

“Quando está quente eu fico tonto, e fico com raiva, sem querer trabalhar”.

A escola onde Kosteas estuda não tem ar condicionado, nem mesmo ventiladores. Ele conseguiu um encontro com o ministro de educação do país, e fez reivindicações. Na hora ficou feliz, mas logo perdeu o encanto e se decepcionou.

“Eu percebi, mais tarde, que na realidade ele não estava respondendo as minhas questões. Era como se estivesse cumprindo uma tarefa”, disse ele.

Platitudes. Retórica inútil. E estamos cercados disso no campo das mudanças climáticas, nos encontros das Nações Unidas.

Outra jovem entrevistada pela reportagem mostra que, mesmo quando conseguem se livrar do mal pior e sair do lugar onde são vítimas dos eventos extremos, a vida de migrante não é nada fácil.  Sara Saumanaia, 15 anos, viveu sua vida inteira num bairro pobre e proletário de Nova Zelândia, que considera sua segunda casa. A primeira é Tuvalu, onde ela nasceu, terra de sua mãe, de onde a família precisou se mudar porque o pequeno país-ilha do Pacífico está sendo tomado pelo mar.

“Mesmo que meu país desapareça, isso não quer dizer que nossa cultura  e aquilo que somos como pessoas vá desparecer”, disse Sara.

Na escola que Sara frequenta em Nova Zelândia, certo dia a professora elencou o tema mudanças climáticas e explicou que Tuvalu é um país condenado a desaparecer sob as águas. Foi o que bastou para que seus colegas a olhassem, alguns sem conseguir conter o riso, outros demonstrando pena. O único sentimento que ela não sentiu, naquele momento, foi o de inclusão e pertencimento.

“Sou uma pessoa forte, uma boa amiga. Eu sei o que defendo, mas também há minha família em casa, por quem eu rezo todos os dias. E aqui estão meus colegas, zombando deles”, disse Sara.

Vou me abster de fazer comentário sobre essa atitude dos colegas de Sara. Vou me abster, inclusive, de ampliar meu pensamento, trazendo aqui o perigo iminente para a luta contra o aquecimento global que acaba de se instalar na Casa Branca, levado pelas mãos de uma maioria de estadunidenses. Muitos desses eleitores têm filhos que devem ouvir discursos negacionistas em casa. Como esperar deles atos generosos às vítimas do aquecimento?

Um pouco de história

Na Rio-92, quando o mundo manteve os holofotes ligados para a cidade onde se debatia questões de clima, envolvendo os empresários na cruzada anti-aquecimento, uma jovem ativista canadense de 12 anos ganhou as manchetes. Com seus cabelos em desalinho e um vestido comum, Severn Suzuki subiu ao púlpito para dizer a todos que estavam ali:

“Eu sou apenas uma criança, não tenho as soluções, e sei que vocês também não têm. Mas, se vocês não sabem como consertar, por favor não continuem danificando tudo”, disse ela.

Severn Suzuki hoje tem 45 anos e o mundo acaba de chegar perto do limite dos 2 graus a mais, que o Acordo de Paris assinado em 2015 prometeu evitar. E não estamos vivendo nem perto de uma preocupação generalizada com o problema.

Em 2018, a sueca Greta Thunberg, então com 15 anos, começou a protestar contra a inoperância política frente às mudanças climáticas do lado de fora do Parlamento sueco. Iniciava assim a Greve Escolar pelo Clima, um movimento que existe até hoje e que fez de Greta uma pessoa conhecida mundialmente.

Greta pressionava pelo Acordo que foi assinado e que, atualmente, está sendo solenemente menosprezado.

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About ameliagonzalez848

Produtora de conteúdo. Jornalista especializada em sustentabilidade. Ajudou a criar e editou durante nove anos o caderno Razão Social, suplemento do jornal O Globo, sobre sustentabilidade, que foi extinto em julho de 2012. Assinou a coluna Razão Social do caderno Amanhá, de O Globo. Autora do livro `Porque sim`, sobre casos de sucesso da ONG Junior Achievement. Ganhou o premio Orilaxé, da ONG Afro Reggae. Esteve entre as finalistas como blogueira de sustentabilidade no premio Greenbest com o blog Razão Social, que foi parte do site do jornal O Globo de 2007 a 2012. Foi colunista do site G1 de 2013 a 2020, assinando o blog Nova Ética Social. Estuda os filósofos da diferença, como Fredrick Nietzsche, Gilles Deleuze, Spinoza, Henri Bergson em grupos de estudo no Instituto Anthropos de Psicomotricidade. Crê na multiplicidade, na imanência, na potência do corpo humano e busca, sempre, a saúde. Tem um filho, um cachorro.
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