Informações para construir links certos na era dos paradoxos

A rodinha de conversa na rua entre os vizinhos, hoje de manhã, girava em torno do raio que caiu ontem, durante a tempestade, nas imediações. Um forte clarão, seguido por um estalo como se algo elétrico tivesse se rompido, deixou-me inquieta. Fiquei mais apaziguada quando ouvi os relatos da vizinhança e descobri que não fora só meu o espanto. A gente sempre tem a sensação de conforto quando está em grupo, naõ tem jeito.

“Minha filha me disse: ‘mãe, parece que foi uma bomba!’, contou uma vizinha. E ela, em tom didático, explicou à mocinha que bomba é muito pior. ‘Além de fazer barulho, arrasa com tudo à sua volta, se é que lhe deixaria viva’”, comentou uma vizinha. E a conversa girou. “A gente aqui, falando em aquecimento global, e os caras lá jogando bomba”.

Link entre eventos extremos e guerra na mesma conversa informal entre vizinhos, isto sim é uma boa novidade.

Ultimamente os jornais e sites noticiosos estão investindo bastante espaço (até que enfim!) em explicações sobre o evento extremo que estamos sentido na pele, traduzido em calor infernal e tempestades fora de época. As notícias buscam fazer a correta ligação com as mudanças climáticas.

 “El Niño sempre existiu, mas El Niño junto com mudanças climáticas é como se você pusesse mais uma colher de açúcar numa xícara que já estava cheia. Transborda, não tem jeito’, explicava ontem, no site Brasil 247, o cientista Carlos Nobre.

A sociedade precisa mesmo de informações relevantes para entender aquilo que os cientistas estão falando há décadas: mudanças climáticas são responsabilidade de todos. E exigem uma grande concertação, todos empenhados em soluções, globais e locais mas, sobretudo, interconectadas.

Guerras tornam esta concertação mais difícil, senão impossível.

E lá vem a COP28!

A foto é do desenvolvedor de softwares Fernando Braga, publicada no site G1 em fevereiro deste ano

A partir do dia 30 de novembro, portanto daqui a quinze dias,  até o dia 12 de dezembro, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos,  estarão reunidos 190 líderes das Nações Unidas na 28a Conferência das Partes (COP28) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), com o desafio de destravar a desconfiança entre países ricos e países pobres. O debate é o mesmo de alguns anos: financiamento para ação climática, o fundo de compensação para perdas e danos decorrentes da mudança climática, a definição de metas mais ambiciosas de mitigação até 2030 e o fim da queima de combustíveis fósseis nas próximas décadas.

Dois mil, cento e cinquenta e oito quilômetros é a distância entre a Faixa de Gaza e Dubai. É mais ou menos como ir do Rio de Janeiro a São Luís do Maranhão. Fica no mesmo Hemisfério, e os holofotes estarão sobre os dois territórios. Mas, enquanto em Dubai os flashs de luz serão de máquinas fotográficas, em Gaza virão de bombas. Enquanto em Dubai a humanidade tentará estratégias para se manter viva, em Gaza a morte é a meta. Morte para, depois, tomar o território. Como faziam os povos mais primitivos, fazemos nós, em pleno século XXI, sem dor nem piedade.

“Isto não é uma ‘operação’ nem uma ‘ronda’, mas uma guerra até ao fim. É importante para mim que vocês saibam disso. Isso não é da boca para fora, mas vem do coração e da mente. Se não acabarmos com eles, eles voltarão”, disse Netanyahu aos soldados do Batalhão Caracal de Israel durante uma visita. Há dois dias.

Estamos na era dos paradoxos. Acho que faltou esse título ao historiador Eric Hobsbawn, que escreveu “Era do Capital”, “Era das RevoluçõeS”, “Era dos Impérios”, “Era dos Extremos”. Quisera que ele ainda estivesse vivo para ilustrar, com sua sabedoria, o que estamos vivendo hoje. Porque não é fácil explicar, a não ser pela ganância do capital, o desprezo que a humanidade tem demonstrado pela vida.

“É a única espécie que destrói seu próprio habitat’, lembra Stefano Mancuso, biólogo italiano de “Nação das Plantas” e “Revolução das Plantas”.

Só me resta, então, trazer aos leitores as informações mais relevantes dos acontecimentos, sem me prender a análises que poderiam ser ingênuas. É o jeito certo de conseguir fazer os links e construir massa crítica.

Para isso, busco, portanto, estar informada.

Ontem pela manhã, participei de um interessante webinar, esse fenômeno de nossa era pós pandêmica, organizado pelo Instituto Clima e Sociedade para os jornalistas que irão cobrir a COP28.  Foi uma prévia, que terá segunda parte, de assuntos importantes que a mídia precisa saber quando chegar a hora de assistir os debates e resultados da conferência. É uma iniciativa muito legal, pena que as redações estão com tanto trabalho que não são todos os jornalistas que têm tempo para serem capacitados.

Devo confessar a vocês que me regozijo em períodos pré-Conferência desde que, em 2009, passei a cobrir o tema. É bom, sobretudo, porque recebemos holofotes, as pessoas se interessam, debatem, buscam respostas. Mesmo que seja só por poucos dias, mesmo que os acordos não sejam cumpridos como deveria, mesmo assim é bom. Vale a pena para quem está na estrada há tantos anos tentando um lugar ao sol.

Alguns aprendizados que ouvi dos especialistas – Luiz Augusto Barroso – Diretor-presidente da PSR e Rodrigo A C Lima – Sócio-diretor geral da Agroicone – levados pelo ICS,  compartilho com vocês:

. O setor energético é o que mais emite gases de efeito estufa (79%). Portanto, sem resolver a questão da energia o acordo da COP 28, se houver, não será alcançado;

. Se a agricultura não estiver preparada para produzir, com tantos eventos extremos (seca e tempestades, sobretudo, atingem muito seriamente as produções agrícolas), isto poderá trazer um outro resultado que vai interferir diretamente na vida de todos nós: a insegurança alimentar, que hoje afeta milhões no mundo, vai aumentar muito.

. Até aqui falava-se só em mitigar os impactos causados ao meio ambiente, mas agora já se fala em mitigar, adaptar e dar benefícios.

. Segundo a Agência Internacional para as Energias Renováveis (Irena na sigla em inglês) teremos que triplicar a geração de energia renovável até 2050 para afetar positivamente o cenário climático atual.

. Para isso, vamos precisar dar escala a tecnologias que não estão competitivas ainda, como a produção de Hidrogênio.

. Captura de carbono virou licença para emitir, e este ponto de atenção é muito importante porque a tecnologia tem sido usada por muitas empresas.

. Estados Unidos, Europa e China querem chegar a uma matriz energética que o Brasil tem hoje. Nosso país tem transformado a forma como lidamos com energia.

. Por último, mas não menos importante: em ambiente de guerra fica difícil defender transição energética, ou transformação energética.  

Como cheguei atrasada, perdi a apresentação do Matheus Bastos – Segundo Secretário do Ministério das Relações Exteriores e negociador brasileiro de Financiamento Climático na UNFCCC. Mesmo assim, mandei uma pergunta para ele, que me martela desde sempre com relação às COPs. E se os acordos conseguidos entre os países fossem todos vinculantes, ou seja, fossem obrigatórios, não apenas um compromisso informal, como é?

Uma pergunta bem montada traz em seu bojo uma resposta. Perguntei sobre os prós e contras porque sei que, em diplomacia, sobretudo em acordos tão gigantes, que envolvem tantos países, nada é muito fácil.

Mas é isto. Estamos vivendo mesmo numa era quando nada é muito fácil. Viver, hoje, mais do que nunca é difícil, o que torna a luta pela vida uma tarefa cada vez mais custosa. Mas vale a pena.

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About ameliagonzalez848

Produtora de conteúdo. Jornalista especializada em sustentabilidade. Ajudou a criar e editou durante nove anos o caderno Razão Social, suplemento do jornal O Globo, sobre sustentabilidade, que foi extinto em julho de 2012. Assinou a coluna Razão Social do caderno Amanhá, de O Globo. Autora do livro `Porque sim`, sobre casos de sucesso da ONG Junior Achievement. Ganhou o premio Orilaxé, da ONG Afro Reggae. Esteve entre as finalistas como blogueira de sustentabilidade no premio Greenbest com o blog Razão Social, que foi parte do site do jornal O Globo de 2007 a 2012. Foi colunista do site G1 de 2013 a 2020, assinando o blog Nova Ética Social. Estuda os filósofos da diferença, como Fredrick Nietzsche, Gilles Deleuze, Spinoza, Henri Bergson em grupos de estudo no Instituto Anthropos de Psicomotricidade. Crê na multiplicidade, na imanência, na potência do corpo humano e busca, sempre, a saúde. Tem um filho, um cachorro.
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2 Responses to Informações para construir links certos na era dos paradoxos

  1. Avatar de Lena Miessva Lena Miessva disse:

    Excelente visão preparatória da COP 28. Por aqui, vamos ficar acompanhando e torcendo para sairem da fala e irem para a ação.

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