‘Outra farmácia, não!’

O terreno é grande, pega uma esquina inteira aqui do bairro. Ali ficava o galpão de uma loja de materiais de construção. Lá um dia, soube-se que ela iria ser derrubada. Dito… e feito. Há uns seis meses, mais ou menos, chegou a turma da demolição. O terreno ficou sem o galpão, mas vazio, cheio de pedras e, com o tempo, é claro, também com lixo.

O disse-me-disse corria solto no balé urbano. Infeliz daquele governante que não percebe o quanto é importante o espaço de um bairro para seus moradores. É claro que há muitos desconectados, aqueles que passam com pressa de um lado para o outro, sem nem conseguir enxergar por onde andou. Mas há também aqueles que interagem e torcem.

Passando por lá, um dia vi que já tinha um tapume de obras. Sinal de que alguém tinha comprado o terreno. Logo o pintor que dá colorido às paredes do bairro – Odylio Falcão –  foi chamado para dar vida ao tapume. Criativo, ele formou uma frase e sugeriu: “O que você quer que seja aqui?”.

Ah, o povo não se fez de rogado. Cada um que passava, daquelas pessoas conectadas, deixava lá seu recado. Teve várias ideias: uma livraria; uma livraria com café; um mercadinho de produtos orgânicos (dos baratos, porque aqueles caros… aff).

Mas era só brincadeira, né? Claro. Porque, por mais que se more ali, que se caminhe por ali, que se tenha o local como extensão da própria casa, os moradores não foram chamados para ajudar a decidir nada. O espaço é privado, avisavam uns aos outros, de ombros baixos e muxôxo. Assim é, sempre. Quem tem capital é quem manda, fazer o quê?

Nos bilhetes sonhadores afixados no tapume, um pedido prevalecia: “Outra farmácia nãooo!”

É fácil explicar o motivo. Naquele quadrilátero do bairro, só ali, tem cinco farmácias. Poxa! É preciso apostar muito em doenças para resolver fazer um investimento em… mais uma farmácia. “Não, claro que não”, sonhávamos.

Pois foi exatamente o que aconteceu. Alguém achou – só por acaso, duvido que tenha sido feita uma pesquisa séria – que nós estamos precisando de mais uma farmácia. E hoje eu recebi a notícia do Sr João, que vende banana ali perto: ‘Eu não falei? Vai ser farmácia.”

Saí chutando latinha no meio fio. Outra farmácia para quê?

Tenho medo de sentimentalizar demais alguns aspectos que envolvem várias visões, portanto tentei, ponto a ponto, justificar a escolha. Uma farmácia vai dar emprego para muitos?

A resposta é: não. Há uma mega store na esquina seguinte, que talvez seja apenas um pouco menor do que a que está sendo construída, e ela está sempre vazia. Não totalmente, claro, mas quase. No entanto, é raro o cliente não enfrentar uma fila para pagar. Por quê? Porque há poucos funcionários. E há um deslocamento – do balcão para o caixa – quando se forma a tal fila.

Continuando meu check list para tentar justificar mais uma farmácia para o bairro, pensei que, no fim das contas, é um bairro onde há muitos idosos, e quanto mais farmácias, mais chance de se conseguir um desconto em remédios. Isto também não procede. Os preços variam, sim, mas para fazer uma economia real, é preciso ir às cinco e comprar uma coisa em cada uma. Dá trabalho e é chato. Não compensa a pequena economia.

De qualquer forma, ok, que se erga ali mais um tempo de consumo de drogas. Mas, precisa ser mesmo assim imensa? Se eu fosse ouvida, daria a seguinte sugestão: divida o terreno. Uma parte para a loja, outra parte com árvores e bancos. Aposto que a farmácia seria a mais frequentada do bairro.

Há outras opções, claro. A mais sonhada? Que a Prefeitura comprasse o terreno, mas não para lucrar com ele. ‘Apenas” para dar bem-estar aos moradores. E no terreno plantasse árvores adequadas, pusesse bancos, um espaço para crianças e outro para os cachorros. Seria um pouco espremidinho, mas com certeza as pessoas ficariam muito felizes.

Sim, estou sentimentalizando demais. Pés no chão, Amelia. A administração municipal precisa de dinheiro e dinheiro vem não só dos impostos dos moradores, mas também do comércio.

Ombros baixos, muxôxo… que venha então a tal farmácia. Parece mesmo que ninguém mais aposta em outra coisa. É muita falta de criatividade.

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About ameliagonzalez848

Produtora de conteúdo. Jornalista especializada em sustentabilidade. Ajudou a criar e editou durante nove anos o caderno Razão Social, suplemento do jornal O Globo, sobre sustentabilidade, que foi extinto em julho de 2012. Assinou a coluna Razão Social do caderno Amanhá, de O Globo. Autora do livro `Porque sim`, sobre casos de sucesso da ONG Junior Achievement. Ganhou o premio Orilaxé, da ONG Afro Reggae. Esteve entre as finalistas como blogueira de sustentabilidade no premio Greenbest com o blog Razão Social, que foi parte do site do jornal O Globo de 2007 a 2012. Foi colunista do site G1 de 2013 a 2020, assinando o blog Nova Ética Social. Estuda os filósofos da diferença, como Fredrick Nietzsche, Gilles Deleuze, Spinoza, Henri Bergson em grupos de estudo no Instituto Anthropos de Psicomotricidade. Crê na multiplicidade, na imanência, na potência do corpo humano e busca, sempre, a saúde. Tem um filho, um cachorro.
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