Pelo bem de nossos bichos domésticos

Entre tantas boas notícias sobre o funcionamento do novo governo empossado no primeiro dia deste ano, o discurso da ministra do Meio Ambiente Marina Silva lançou um jorro de ânimo a quem entende que mudanças climáticas são, cada vez mais, um tema importante para a nossa civilização. Num próximo post detalharei mais. Por hoje, preciso alçar como top 10 a inauguração do Departamento de Proteção e Defesa dos Direitos dos Animais. Alvíssaras!

Segundo um post do deputado Carlos Minc, a criação do Departamento, confirmada no Decreto 11.349 publicado no DO União do dia 3 de janeiro, foi uma “significativa vitória da causa animal”. E foi mesmo. Mas, já que estamos falando de um governo de participação social, sinto-me no direito – talvez até fosse melhor falar em dever – de dar aqui algumas sugestões.

Marina Silva também anunciou, em seu discurso, a Secretaria de Gestão Ambiental Urbana. Pegando esse gancho, quero sugerir que a pessoa que vai tomar conta dessa pasta tenha um olhar muito especial voltado a um problema recorrente nas grandes cidades: o abandono de animais domésticos.

Como gosto de cachorros e gatos, estou ligada a uma rede de pessoas que se prontificam a dar abrigo, alimento e a cuidar das feridas, externas ou não, dos animais que são abandonados por seus donos.

Vou contar apenas uma de muitas dessas histórias que conheço. Esta tem final feliz. Snow, esse fofo aí da foto, foi encontrado há cerca de três meses,  pele e osso, quase sem conseguir andar, todo enroscado num cantinho de uma rua do bairro onde moro. A impressão que teve quem o viu pela primeira vez foi que o bicho tinha vagado pelas ruas durante muito tempo, até não poder mais. Deitou-se ali para morrer.

Mas o que ele não sabia é que estava para terminar seu tempo de azar. Snow – nome que lhe foi dado –  estava no caminho de um pessoal que tem e gosta muito de cachorros. Logo alguém o levou para casa e as redes sociais funcionaram. Em pouco tempo ele ganhou ração, cama, tomou um banho, foi levado ao veterinário. Descobriu-se até a origem de Snow: morava na comunidade Dona Marta e a dona dele morreu. Os parentes, sem condições de mantê-lo, o enxotaram de casa.

Não demorou muito para que Snow ganhasse o mais importante: uma casa bonita para morar. Como é em outro estado, ele precisou ficar num lar temporário, por uns dias, até a viagem.  Na casa  nova, ganhou um gramado e alguns companheiros de quatro patas.

Snow tem cinomose, uma doença incurável mas que pode ser controlada. E é surdo. Mas, segundo a tutora, agora está até aprendendo a latir, imitando as cadelas que são suas parceiras. Engordou, está feliz, e vai viver dignamente o tempo que lhe resta.

A foto acima mostra quando ele foi encontrado. A foto agora é de Snow agora, já em sua casa.

Não vem ao caso julgar quem abandona um bicho. Mas, como sugestão primeira à equipe do novo ministério que pretende cuidar também de nosso ambiente urbano, é preciso fazer uma campanha de comunicação efetiva, explicando às pessoas por que não se deve abandonar um bichinho ao relento. Já existem campanhas em algumas escolas públicas, mas minha ideia é ampliar. Outdoors, redes sociais, televisão, rádio, blogs, sites. 

Pode parecer inútil, mas não é. Muita gente ainda tem uma relação “coisificada” com os bichos que adota. É como se eles fossem objetos que podem ser descartados a qualquer momento, sem que isto cause danos. Se morrer, morreu.

Depois de algum tempo de campanha, pode-se até pensar em algum tipo de punição para quem abandonar um bicho. Talvez isto possa refrear gestos insanos, como de pais que cedem à birra de filhos e compram cães ou gatos de “presente” para a criança, que na maioria das vezes tem apenas uma atração instantânea, sem noção dos cuidados que o bicho exige.

 No primeiro momento em que os pais percebem que os bichinhos fazem xixi, cocô, arranham,  mordem e precisam de cuidados,  decidem largá-los em alguma rua para que outro os peguem. Sim, é irresponsável e cruel, mas tem gente que faz isso, e até põe, do lado do bicho amarrado a um poste, uma cumbuca com água e ração.

Mas tem outros motivos de abandono, alguns que realmente deixam a gente com nó na garganta. E que, justamente por evidenciar uma privação dos donos do animal – doença, falta de recursos – precisam que o estado intervenha e ajude.

Neste sentido, a outra sugestão é fazer um cadastro e obrigar todos os donos de pets a terem uma carteirinha para eles. Talvez seja uma forma de desestimular um pouco a aquisição impensada de animais. Muitas ONGs de bichos criam arquivos na hora de doar. Isso poderia se estender a pessoas que vendem, sejam lojas ou particulares.

Espalhar clínicas gratuitas também seria outra ótima opção, já que o mercado de pets está ficando cada vez mais caro.Muita gente não leva o bicho para exames anuais porque não sobra dinheiro no orçamento.  A criação de vários bancos de rações, como já existem em algumas prefeituras, é outra política pública que deve ser ampliada.

 Na verdade, essa função de cuidar dos pets é do âmbito municipal, mas precisaria ser supervisionada com lupa por essa Secretaria que está sendo criada pela nova ministra.

Estava fechando meu pensamento quando me lembrei de outra figura muito comum nas grandes cidades: os cães de pessoas em situação de rua. São muito fieis aos donos e, de verdade, imprescindíveis para dar à pessoa  o mínimo de sensação de segurança. Portanto, neles não se mexe.

Mas, como sabemos que o presidente Lula tem como propósito principal em seu governo o cuidado das pessoas carentes, estou imaginando uma situação em que teremos poucos, quase nenhum, até mesmo ninguém vivendo em situação tão ruim.

Pessoas terão teto, comida, conforto. Cães, idem.

O filósofo alemão Friedrick Nietzsche dizia que “Nada é tão nosso como nossos sonhos”. Por isso ele incentivava todos em sua volta a sonhar. E sonhar bem alto.

Estou de mãos dadas com Nietzsche neste momento. Voando alto em meus sonhos sobre um Brasil mais justo, respeitoso aos bichos e plantas, e com uma proteção organizada do estado.

  • Este texto foi originalmente publicado no site da Casa Monte Alegre, de Santa Tereza
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About ameliagonzalez848

Produtora de conteúdo. Jornalista especializada em sustentabilidade. Ajudou a criar e editou durante nove anos o caderno Razão Social, suplemento do jornal O Globo, sobre sustentabilidade, que foi extinto em julho de 2012. Assinou a coluna Razão Social do caderno Amanhá, de O Globo. Autora do livro `Porque sim`, sobre casos de sucesso da ONG Junior Achievement. Ganhou o premio Orilaxé, da ONG Afro Reggae. Esteve entre as finalistas como blogueira de sustentabilidade no premio Greenbest com o blog Razão Social, que foi parte do site do jornal O Globo de 2007 a 2012. Foi colunista do site G1 de 2013 a 2020, assinando o blog Nova Ética Social. Estuda os filósofos da diferença, como Fredrick Nietzsche, Gilles Deleuze, Spinoza, Henri Bergson em grupos de estudo no Instituto Anthropos de Psicomotricidade. Crê na multiplicidade, na imanência, na potência do corpo humano e busca, sempre, a saúde. Tem um filho, um cachorro.
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