Sem querer botar areia na festa de ninguém, não dá para deixar de comentar o prêmio que a cidade do Rio de Janeiro ganhou, de Capital da Bicicleta, segundo a ótima reportagem de Camila Nóbrega na revista Amanhã, do Globo que está nas bancas. A primeira coisa que me chamou a atenção foi justamente o instituto de pesquisa que deu o prêmio. O Transport Research Board fica nos Estados Unidos e, segundo o site da organização, dá prêmios em reconhecimento “ao excelente desempenho e serviços”. É uma proposta vaga demais, considerando o desempenho e os serviços que a cidade do Rio de Janeiro oferece aos ciclistas. E isso quem está dizendo não sou eu, mas os próprios usuários de bike, como se vê própria reportagem.
Se o prêmio for dado pela paisagem ou pela beleza natural oferecidas aos ciclistas, ok. Está merecido. Mas isso não tem nada a ver com desempenho e serviços. A impressão que eu tenho é que a gestão municipal tem um excelente grupo de profissionais que se esmeram à cata de possibilidades para pôr o Rio de Janeiro na mídia e com boa imagem. Excelente mesmo, porque o resultado é muito bom, como se viu pelo prêmio. Salvo as críticas feitas pelo povo que realmente se aventura a pedalar pelas ciclovias. E não é de hoje que essas críticas são feitas, como várias reportagens têm mostrado.
Bem, mas vamos deixar as críticas de lado, porque seria chover no molhado, e vamos tentar dar uma ajuda para a equipe da prefeitura que realmente está trabalhando em prol de manter um nível de coerência entre imagem e realidade. É aí que me lembro de uma visita que fiz à cidade de Copenhague em outubro do ano passado, a convite do governo dinamarquês, para fazer reportagem, também para a revista Amanhã, sobre a cidade. Se você, meu caríssimo leitor, já está dizendo… “ora, não vale comparar Copenhague com o Rio porque nós não temos o dinheiro, a organização e o tamanho dos países nórdicos”, eu replico: se a cidade quer ocupar um lugar de destaque no âmbito internacional, a ponto de buscar uma premiação do nível que recebeu, então está apta a comparações. E ponto.
Em Copenhague, portanto, estive conversando longamente, para uma entrevista, com Charlotte Korsgaard, uma espécie de secretária municipal de meio ambiente da cidade. Na cidade de Copenhague, hoje, há 37% das pessoas que usam bicicleta em vez de carro e a meta, oficial, que a gestão municipal abraça seriamente, é alcançar 50% em 2025. Já que estamos no perigoso terreno das comparações, vale registrar que, segundo uma estimativa da ONG Transporte Vivo, o deslocamento por bicicletas hoje na Região Metropolitana do Rio alcança cerca de 5% do total, comparando com os outros meios de transporte. É pouco, mas está aumentando: nos últimos oito anos, houve um aumento de 89%, ainda segundo a ONG.
Copenhague quer se tornar a “cidade dos ciclistas”. Só aí já vai uma grande diferença para o nome do prêmio que ganhamos: “Capital da Bicicleta”. Lá, a real preocupação é investir em infraestrutura, ciclovias mais largas e seguras, para dar mais segurança a quem precisa usar a bicicleta. Posso exagerar um pouco? Não seria um olhar mais humano, menos coisificado, do que dar à capital o nome de… bicicleta? Pronto, acabou o “momento exagero”.
Vamos continuar a dar sugestões, já que o intuito aqui é ajudar. Uma das iniciativas tomada pela administração municipal de Copenhague foi ampliar as ciclovias no horário de rush, diminuindo nesse período a largura das calçadas. E saibam que, com todo esse movimento e cuidado, a última pesquisa feita com os usuários das ciclovias, em 2010, mostrou que somente três em cada dez ciclistas achavam que os estacionamentos para as bicicletas eram satisfatórios e que apenas cinco em cada dez estavam satisfeitos com a manutenção das ciclovias. Adivinhem um item que foi mais apontado como negativo na pesquisa? O roubo das bicicletas. Outra coisa que incomoda: pessoas que largam a bike de qualquer jeito nos bicicletários, a ponto de deixá-la cair sobre outras, causando estragos.
A meta mais ousada, para 2025, é que as ciclovias sejam tão seguras e planas que um ciclista possa pedalar com um copo de café numa das mãos sem deixar cair o líquido. Podem imaginar algo assim nas nossas ciclovias esburacadas e estreitas? Bem, mas lá eles não têm o Pão de Açúcar e o Corcovado para acompanhá-los na viagem. Tudo bem… mas continuo acreditando que é possível ter tanta beleza e uma organização maior.
Vejam como funciona, por lá, a parceria: o comitê encarregado de construir mais ciclovias fez parceria com várias lojas e empresas (não é uma corporação só, como aqui, que chega a confundir sua marca com a da prefeitura), prevendo a construção de caminhos curtos só para ciclistas, como pequenas pontes sobre a água e atalhos em áreas verdes. Haverá ainda uma rede nacional de estradas para quem anda de bicicleta, com sensores no asfalto que vão registrar o número de ciclistas e luzes que ajustarão o sinal de tráfego para que fiquem abertos quando houver um grande número de bicicletas esperando. Aliás, esta sinalização que mostra o número de ciclistas eu vi em Odense, cidade que fica a 164 quilômetros de Copenhague e é bem pequena (tem cerca de 185 mil moradores).
Copenhague está num período de expansão, de grandes obras, e nisso se assemelha bastante ao Rio. A primeira providência tomada pela equipe que cuida das ciclovias foi ampliá-las, alargá-las, no sentido de incentivar ainda mais as pessoas a largarem os carros em casa na hora de se deslocar.
Bem, mas tem uma questão que faz o Rio perder de longe para Copenhague e que não há como mudar, nem com uma administração muito focada. É o clima. Uma coisa é sair de casa com frio, mas com roupas adequadas, e pegar uma bike. Outra coisa é enfrentar o calor que estamos enfrentando agora, por exemplo, e pegar uma bicicleta. Não tem quem aguente. Logo, o Rio pode ser a Capital da Bicicleta de abril a setembro, no máximo outubro. Mesmo assim, nesses seis meses, vai ter veranico expulsando os ciclistas da rua.
Logo… é importante, sim, valorizar o uso das bicicletas por aqui, mas não vamos tirar de um outro foco, este muito mais abrangente, que envolve o pessoal que mora longe e precisa trabalhar cedinho: o transporte público. Sair da Penha ao Centro de bicicleta num dia de verão 40 graus, vamos combinar, é tarefa para Hércules. Mas, se tiver ônibus em quantidade suficiente e que possa levar as pessoas em condições dignas (leia-se, sem estarem amassadas num calor infernal), vai ser mais atraente do que pegar o carro. Fica a dica, fica a reflexão.
Por último, vale comentar que em Copenhague tem outro tipo de veículo sobre duas rodas que se chama Segway e é bem interessante. Funciona a motor, tem que ter combustível, mas a força maior quem faz é o próprio corpo. Se não fosse tão caro, como bem me lembrou o editor do Carro e Etc Jason Vogel, poderia ser ótima ideia para substituir as bicicletas em dias muito quentes. Mas é caro, portanto, ficamos só na vontade. Na foto, estou num Segway fazendo uma espécie de city tour. Chovia muito, fazia muito frio, mas eu adorei andar naquela geringoncinha…