A diversidade cultural é aceita no mundo mais humano e melhor de se viver como sonham aqueles que estão na esteira da sustentabilidade. Ou, segundo o autor John Elkington (aquele que criou a expressão Triple Bottom Line), num mundo onde as pessoas buscam viver como Zeronautas – zerando emissões, miséria, preconceitos, lixo, carbono. Mas é impossível entender e aceitar um hábito cultural quando ele se torna uma violência contra as mulheres, como é o caso da Mutilação Genital Feminina que afeta hoje cerca de três milhões de meninas entre 5 e 8 anos de idade somente na África. Cerca de 140 milhões de mulheres vivem com o impacto devastador deste absurdo que começou antes mesmo das religiões organizadas há mais de dois mil anos no Egito. É uma forma de controlar a mulher. Como é um tabu, governos e comunidades não querem se meter.
No fim do ano passado, no entanto, a Assembleia Geral da ONU aprovou por unanimidade uma resolução que proíbe a prática da Mutilação Genital Feminina, comum em 28 países da África, bem como no Iêmen, Iraque, Malásia, Indonésia e entre certos grupos étnicos na América do Sul. No Reino Unido, o Crown Prosecution Service (Agência de Acusação da Coroa, em tradução livre) anunciou planos para reprimir aqueles que praticarem a barbárie. Lá, cerca de 24 mil meninas com menos de 15 anos correm o risco de serem mutiladas.
Para acabar com esta rotina é necessário um trabalho hercúleo e algumas pessoas com coragem suficiente para virem a público contar suas histórias. A modelo somali Waris Dirie, que escreveu um livro “ Desert Flower”, onde relata casos de mutilação e se lançou como uma ativista internacionalmente conhecida, inspirou a menina Khadija. Também nascida na Somália, há dois anos, após ser submetida a uma operação que cortou seu clitóris, a garota conseguiu fugir de seu país e pedir asilo no Reino Unido. Ela se mantém na clandestinidade mas está ajudando a ONG Orchid Project a tentar acabar com a prática. A organização (orchidproject.org) já conseguiu sucesso em 5.300 comunidades.
Por mais paradoxal que possa parecer (e é), um dos desafios da ONG tem sido a recente empreitada para tornar mais segura a cirurgia de mutilação. Isso porque em vários locais ela é feita de maneira precária, às vezes até com um pedaço de vidro, o que causa a morte de milhares de meninas. Se a cirurgia for feita num hospital e assistida por médicos, elas têm mais chance de sobreviver. Mas não é isso que a ONG quer. Ela quer que as meninas tenham uma vida, não uma sobrevida. Faz sentido, não?
Na linha ambiental, quem anda ajudando bastante é a hidrelétrica Itaipu, construída há quase 30 anos numa área que é mais ou menos a metade da Bélgica. Segundo uma reportagem publicada pela revista da Rebia (Rede Brasileira de Informação Ambiental) ela é hoje referência na gestão de projetos sustentáveis em parte da bacia do rio Paraná, onde vivem aproximadamente 1 milhão de pessoas. A hidrelétrica destruiu muita coisa, mas hoje tem 20 programas para tentar devolver à Terra aquilo que carregou e para tentar devolver às pessoas que moram ali uma vida mais digna.
Para começar, foram plantadas 43 milhões de árvores e construído um corredor ecológico de 27 quilômetros e cerca de 70 metros de largura. A função principal desse corredor é permitir que os bichos recomecem a circular no local e que se reproduzam ali. As matas ciliares, que foram destruídas para dar lugar ao empreendimento, já estão sendo protegidas: em linha reta, segundo a equipe de reportagem que sobrevoou o local, a faixa verde de proteção equivale à distância que separa Foz do Iguaçu do Rio de Janeiro, ou seja, 1.321 quilômetros.
Os agricultores, por sua vez, estão sendo capacitados e passaram a fazer o cultivo de plantas medicinais para vender. Todas as plantas são cultivadas, colhidas e processadas ali mesmo e vão para os postos de saúde da região. Isso é bom porque pode facilitar também os médicos a cuidarem da saúde dos doentes de maneira mais natural. Uma das médicas que deu depoimento à revista, Jaqueline Marinho é do programa Saúde da Família e disse que tem utilizado o cítrus, a alfavaca e a graviola, além do guaco, para tratar seus clientes. Mas na mesma terra tem sido plantados alimentos orgânicos também com bons resultados financeiros para os agricultores. Há mais de 800 deles já treinados para fazer este cultivo especial. Além disso, 71 pescadores estão aprendendo a fazer o manejo sustentável do pacu, um dos peixes da região. O lixo orgânico, como os dejetos de bois e porcos, estão sendo canalizados para grandes biodigestores e se transformam em energia.
Jeroo Billimoria é uma empreendedora social, membro da Ashoka desde 1999, que criou sete organizações sem fins lucrativos , incluindo a Aflatoun (nome árabe que significa educação social e financeira) que pretende transformar crianças, sobretudo as mais carentes, em pessoas capazes de criar seus próprios projetos financeiros. Em poucas palavras, Billimoria ensina crianças pobres de 80 países a administrar dinheiro, mesmo que elas não tenham nenhum. O programa da Aflatoun ensina a explorar, investigar, agir e pensar além de gerar os próprios recursos para suas necessidades no futuro. E eleva a autoestima o que, como se sabe, é fundamental para qualquer planejamento social dar certo.
Aflatoun começou em Mumbai, na Índia, em 1991, com o propósito de criar uma rede de crianças pobres e ricas para que elas conhecessem um pouco da vida umas das outras. Em 2005, Billimoria levou a organização para Amsterdam, na Holanda. Para testar se haveria chances de dar certo fora da Índia, dez organizações sem fins lucrativos ajudaram a lançá-lo. Deu certo. Em 2008 foi criada uma Campanha para Educação Financeira e Social. A ideia é atingir dez milhões de crianças até 2015, ajudando-as a entender melhor todo o seu potencial e a melhorar o mundo onde vivem.
O programa começa com uma espécie de manual dos 6 passos (tem tudo explicado no site www.aflatoun.org) , que inclui o treinamento de professores para que eles possam passar adiante a mensagem para as crianças.
Billimoria desde sempre acreditou que a infância pode ser tratada com mais atenção. Quando começou, ela dava seu número de telefone para crianças de rua ligarem em caso de necessidade. A iniciativa deu certo e logo ela estava recebendo chamadas diariamente: “Foi quando me dei conta de como as crianças de rua gostavam de telefone. Às vezes a criança ligava apenas para dizer olá, às vezes por estarem se sentindo tristes e solitárias. Mas quando as chamadas vinham no meio da noite era porque alguma criança estava ferida, doente ou fora espancada por algum policial”, contou ela a David Bronstein, autor do livro “Como mudar o mundo” (Editora Record).
A história dos telefones cresceu tanto que Billimoria acabou conseguindo voluntários e dinheiro para estabelecer centros de telefonia e um número foi criado com a ajuda do governo para que as crianças pudessem utilizá-lo quando necessitassem. Esta era a Childline, que continua operando, agora sem Billimoria, que resolveu tentar dar um novo sentido à economia mundial, incluindo no mercado as crianças.