Belém não falhou. Próxima parada: Santa Marta, na Colômbia, em abril.

Difícil tentar trazer alguma notícia sobre a COP30 que vocês, caros leitores, não tenham lido ou ouvido. Sendo assim, escrevo algumas percepções, como jornalista que estuda e se atualiza sobre esse movimento – vamos chamar de desenvolvimento sustentável para facilitar – desde o início do século.

O entardecer em viagem pelo Amazonas. Foto tirada por mim durante uma viagem ao Bailique em 2015

Foi uma COP da intensidade, tanto quanto é intensa a Floresta Amazônica, que abrigou seus representantes. Uma COP que levou estrangeiros a sentirem o calor úmido da região, a andarem muito de um pavilhão para outro. Uma COP de muitas discussões, o que sempre acontece.

 Não, eu não estive em Belém. Mas aqui do meu computador consegui acompanhar muito do que foi debatido, como vocês devem ter percebido se leram meus textos anteriores.

No dia da plenária final, que durou cerca de cinco horas, estive com os olhos grudados na tela. Aliás, desde muito cedo, quando o embaixador André Corrêa do Lago saiu da sala de negociações, onde esteve quase durante toda a noite, e ainda conseguiu sorrir com simpatia e paciência para responder a um esperto repórter – Daniel Nardin, do Amazoniavox.com – que deu plantão na porta e fez algumas perguntas.

O embaixador estava demonstrando sinais de cansaço, claro, mas estava confiante. O pequeno princípio de incêndio, que durou seis minutos e não fez vítimas, havia atrasado umas seis horas as decisões. Mas ele citou ali, rapidamente, alguns ganhos, entre eles o TFFF (acordo em que investidores poderão obter lucro ao financiar florestas tropicais), a Declaração de Belém, que propõe uma resposta climática centrada nas pessoas. “E o Road Map?”, quis saber o repórter.

Road Map é um compromisso que o presidente Lula havia assumido no início da Conferência, uma espécie de guia para o fim do uso dos combustíveis fosseis lentamente.

“Vamos anunciar. Mas vai ser uma iniciativa da presidência brasileira. Não fica no texto”, respondeu Corrêa do Lago.

A frustração de não ver no texto final uma convocação mundial para o fim dos combustíveis fósseis criou uma espécie de plano B para alguns países. Em abril de 2026, na Colômbia, haverá uma inédita conferência internacional que pretende focar apenas no fim dos fósseis. Segundo a jornalista Míriam Leitão, já há 80 países interessados no evento, anunciado pela ministra do Meio Ambiente da Colômbia,  Irene Velez. Holanda, país costeiro que sofre muito com o aumento do mar, está na coorganizando.

Corrêa do Lago tem onze meses para fazer andar nossa trilha para longe dos combustíveis fósseis. Ele  anunciou também outra trilha, esta que levará ao fim do desmatamento, outro ponto bastante sensível para os negociadores.

Foram duas longas semanas. Diferentemente do que tinha sido anunciado, houve a presença em massa dos 195 países das Nações Unidas, ou seja, nada diferente do que acontece há trinta anos. Houve também muita discussão, sobretudo ali na última plenária, quando a fragmentação do mundo ficou exposta de maneira triste.

Para se ter uma ideia, a folhas tantas, quando a questão de gênero estava sendo debatida, representantes mulheres de alguns países, entre eles a Rússia e Argentina, fizeram questão que constasse do texto a declaração formal de que existem apenas dois gêneros e que pessoas do mesmo gênero não podem se tornar casais. Se estivesse no zap, eu poria aqui um emoji de pânico.

Mas, como sói, tudo tem vários lados. O ponto de vista otimista, do site da Conferência, assume que, mesmo com tantas tensões geopolíticas, a COP30 “aprovou um pacote de decisões robusto que cumpriu seus três objetivos principais: fortalecer o multilateralismo, conectar o multilateralismo climático às pessoas e  acelerar a implementação do Acordo de Paris. A COP30 equilibrou forças entre norte e sul, países desenvolvidos e em desenvolvimento, energia e natureza, tecnologia e pessoas, compromissos e implementação, mitigação e adaptação”.

Entre os menos otimistas estão aqueles que rigorosamente não esperavam nada da Conferência, nem mesmo apontando as famosas lacunas e fragilidades.  O professor Eduardo Sá Barreto, da Faculdade de Economia (UFF) e membro do NIEP-Marx, escreveu no site da Boitempo quase tudo o que deveria estar na mesa de debates, mas não esteve:

“Não haverá concertação pelo decrescimento (muito menos um que contemple responsabilidades históricas diferenciadas); não haverá concertação pela contenção (muito menos pela aniquilação) do capital fóssil; não haverá concertação pela abertura de fronteiras ou pela relocalização de populações de regiões vulneráveis ou tornadas inabitáveis; não haverá concertação pela desconcentração urbana ou pela desglobalização da produção e do consumo”.

Não é possível discordar dele. Tenho, contudo, visão um pouco mais otimista, e percebi nessa Conferência, talvez por ter sido realizada em território conhecido, maior robustez nas intenções. E o fato de estar nas mãos de André Corrêa do Lago, a partir de agora, tomar providências para se alcançar uma luz nos caminhos acho positivo. Foi notável o comprometimento dele à frente das negociações. Até mesmo quando precisou interromper a última plenária porque, honestamente, percebeu que se equivocou ao não dar voz a delegadas que haviam levantado a bandeirinha para falar.

Àquela altura, já extenuado, era perfeitamente compreensível e humano um equívoco. Corrêa do Lago desculpou-se, o que também soou bem, numa reunião tão tensa e com tantas divergências postas sobre a mesa.

Santa Marta pode ser uma possibilidade, até porque tem menos países interessados, ou seja, menos chance de uma agenda multifacetada. Mas vai lidar com um assunto muito espinhoso, o fim dos combustíveis fósseis. Vamos aguardar e acompanhar.

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About ameliagonzalez848

Produtora de conteúdo. Jornalista especializada em sustentabilidade. Ajudou a criar e editou durante nove anos o caderno Razão Social, suplemento do jornal O Globo, sobre sustentabilidade, que foi extinto em julho de 2012. Assinou a coluna Razão Social do caderno Amanhá, de O Globo. Autora do livro `Porque sim`, sobre casos de sucesso da ONG Junior Achievement. Ganhou o premio Orilaxé, da ONG Afro Reggae. Esteve entre as finalistas como blogueira de sustentabilidade no premio Greenbest com o blog Razão Social, que foi parte do site do jornal O Globo de 2007 a 2012. Foi colunista do site G1 de 2013 a 2020, assinando o blog Nova Ética Social. Estuda os filósofos da diferença, como Fredrick Nietzsche, Gilles Deleuze, Spinoza, Henri Bergson em grupos de estudo no Instituto Anthropos de Psicomotricidade. Crê na multiplicidade, na imanência, na potência do corpo humano e busca, sempre, a saúde. Tem um filho, um cachorro.
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